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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

MÁSCARA MORTUÁRIA DE NAPOLEÃO BONAPARTE

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Alvaro de Arantes
Alvaro de Arantes • 47 semanas atrás
1821 - MÁSCARA MORTUÁRIA DE NAPOLEÃO BONAPARTE: moldada em matriz de bronze pelo médico de Napoleão Bonaparte, Dr. François Antommarchi, com o segundo modelo tirado pelo médico inglês Button, 48 horas após sua morte, em 5 de maio de 1821. Napoleão morreu aos 52 anos de idade.

Campanha na Rússia: a mais dura das batalhas

Campanha na Rússia: a mais dura das batalhas

A desastrosa invasão da Rússia em 1812 foi o início de uma reviravolta nas Guerras Napoleônicas. enfrentando incêndio, fome e um frio apavorante, o grande exército francês sofreu como nunca

Natalia Yudenitsch | 01/09/2005 00h00
Do alto das colinas da aldeia de Borodino, a 124 km de Moscou, Napoleão Bonaparte esperava o desfecho de mais um histórico embate. Era setembro de 1812, e a vitória francesa na campanha da Rússia parecia certa. Depois da derrota russa na Batalha de Borodino, no dia 7 do mesmo mês, o imperador francês pretendia encerrar a questão e se apossar do coração do império russo, Moscou, cujas cúpulas douradas já podiam ser avistadas no horizonte. Impaciente, aguardava uma comissão de boiardos com a chave da cidade, a rendição oficial e um tratado de paz assinado pelo czar Alexandre I. Os dias se passavam e nada. No dia 14 de setembro, Napoleão se cansou e iniciou a invasão final. Seria o mais dramático combate de seus soldados.
Assim que os franceses passaram pelas ruas da cidade em direção ao Kremlin, pequenos incêndios começaram a pipocar. Eles olhavam espantados ao redor. A cidade, de 250 mil habitantes, emudecera. A princípio, creditaram o silêncio aos moscovitas, temerosos e encerrados em suas residências. Logo descobriram que um planejado êxodo havia levado o povo a abandonar sua terra carregando bens e reservas alimentícias. Os mais abastados levaram as carroças. Os humildes partiram a pé, carregando sacos cheios nas costas. Para trás ficaram apenas 25 mil pobres e miseráveis, remanescentes de esfacelados batalhões russos e criminosos, que não tinham condições de deixar a cidade. Daí para o fogo, foi um pequeno passo. Para o assombro e desespero do exército francês. "Como os cossacos tinham o hábito de atear fogo nas casas depois de pilhá-las, é provável que o incêndio tenha começado por causa deles", avalia Douglas Boullard, professor de história européia da Universidade da Califórnia, nos EUA. Com as bombas-d´água sabotadas pelos russos e as casas predominantemente de madeira, as chamas logo se alastraram. Alojado no Kremlin, Napoleão assistiu estarrecido o fogo de-vorar a bela Moscou, que ardeu por cinco dias, reduzindo-se 4/5 de todas as suas construções a cinzas. "Sobraram os prédios de tijolos, as igrejas de pedra e o Kremlin, ironicamente salvo pelos próprios homens de Napoleão, que haviam se instalado em suas dependências", diz Elena Remenik, coordenadora do centro de estudos de Cultura Russa da Universidade de São Petersburgo, na Rússia.
"Se Moscou não tivesse queimado, Alexandre I teria sido obrigado a fazer a paz", diria Napoleão mais tarde. A verdade é que as relações entre o imperador francês e o czar russo já se mostravam delicadas havia muito tempo. O governo russo estava preocupado com a expansão do poder de Bonaparte. Alexandre I tomou partido da Áustria contra o conquistador, em 1805, e da Prússia, em 1806, mas terminou derrotado nas duas guerras nesses países. As coisas se complicaram com o bloqueio continental, que levou ao enfraquecimento de vários países com os quais ele mantinha relações comerciais. Para o francês, a Rússia era um incômodo, um gigante que se erguia solitário fora de seu abraço no continente europeu. Foi daí que nasceu a idéia da invasão.
EXÉRCITO GIGANTESCO
Para um projeto dessas dimensões, em 1810 Napoleão começou a preparar uma tropa à altura. A grande armée (grande exército, em francês) reunia mais de meio milhão de homens. "Eram 610 mil combatentes, levando 1 420 canhões. Ao todo, 678 mil, se contarmos as tropas reservas. Esse gigantesco exército era formado por gente da Prússia, Áustria, Bavária, Saxônia, Itália, Polônia, Espanha, Croácia e até de Portugal. Apenas 200 mil eram franceses", revela Gilbert Rubin, professor e especialista em história militar da Universidade de Essex, no Reino Unido. Em dois anos, o imperador francês conseguiu estruturar seu poderio militar na Polônia, próximo à fronteira ocidental da Rússia, no rio Nemen, entre as cidades de Kaunas (na atual Lituânia) e Grodno (na atual Bielorússia). Composta de dez corpos de exército, quatro tropas de cavalaria, mais a força de elite da Guarda Imperial, a grande armée tinha como foco central um exército comandado pelo próprio Napoleão, com 250 mil homens e 527 canhões. Seu irmão mais novo, Jérôme Bonaparte, e um enteado, Eugène Beauharnais, conduziam suas divisões ao lado de marechais como Louis Davout, Nicolas Oudinot, Michel Ney, Joachim Murat e Louis Alexander Berthier. O plano era entrar na Rússia, tomar a capital, fazer o czar pedir água, sair com uma rendição assinada e retornar à França com a Europa aos pés de Napoleão.
SEM AVISO
A campanha começou na madrugada do dia 24 de junho de 1812, quando o grande exército napoleônico cruzou o Nemen e invadiu a Rússia sem avisos ou declarações formais de guerra. A ação foi um golpe nos planos de Alexandre I, que desde maio vinha montando seu próprio grande exército. Incluindo cossacos e milícias populares, chegava-se à espantosa cifra de 900 mil homens. "O problema é que essa massa militar estava sendo reunida na Moldávia, na Criméia, no Cáucaso, na Finlândia e em regiões do interior do império, longe demais do local de entrada do exército francês. Por isso, em junho de 1812 os russos só conseguiram colocar cerca de 280 mil homens e 934 canhões na fronteira ocidental", analisa Aleksei Koshka-rin, especialista em história militar da Universidade Estadual de Novosibirsk, na Rússia. Ao todo, eram três exércitos cuidando da fronteira. O 1º Exército, com 160 mil homens, combateria sob as ordens do general e ministro da guerra, Mikhail Bogdanovich Barclay de Tolly, posicionado em direção a São Petersburgo. O 2º Exército, de Pyotr Bagration, general e príncipe da Geórgia, tinha 62 mil homens e se fixara entre os rios Nemen e Bug, ao norte dos pântanos de Pripet. Já o Terceiro Exército, do general Pyotr Alexander Tormasov, tinha cerca de 58 mil homens e olhava para o sul, em direção a Kiev. Sem condições de contra-atacar, os russos começaram a se retirar para dentro da pátria-mãe. "Era uma necessidade para oferecer combate aos invasores", explica o professor Aleksei Koshkarin. Em 8 de julho, a Rússia saiu às ruas para ouvir um manifesto de Alexandre I que conclamava o povo a combater os franceses. "As milícias populares vieram por causa do chamado, apoiado pela Igreja Ortodoxa. Cossacos, camponeses e até ciganos se alistaram aos milhares", diz Elena Remenik.
Mesmo assim, no dia 23 de julho o marechal Davout bloqueou a passagem do general Bagration em Mogilev (na atual Bielorússia) e impediu sua reunião com Barclay e, por extensão, a reação russa. Os problemas, entretanto, já começavam a rondar a brigada francesa. Sem ter lutado nenhuma batalha decisiva, a grande armée havia sido reduzida em cerca de 2/3 por causa de fadiga, fome, deserção e morte. A vantagem, porém, continuava ao lado de Napoleão. No lado oposto, o czar reclamava da incompetência de Barclay em interromper o avanço francês e o substituiu pelo general Mikhail Illarionovich Kutuzovem 20 de agosto. Este, contudo, após tomar ciência da situação, continuou a estratégia de seu antecessor. Na época, ele disse o seguinte a seus homens: "Os franceses vieram para cá sozinhos e sozinhos voltarão". Sábias palavras. "É preciso entender que essa retirada russa escondia um mecanismo perverso. Quanto mais os franceses avançavam, mais sofriam com a falta de comida e armamentos. Em paralelo, as fileiras de Alexandre I engordavam", explica Vladimir Borshevski, especialista em exército e marinha russos da Universidade Estadual de Moscou. Preocupado em conseguir suprimentos, Napoleão rumou para Moscou, onde tinha a certeza de poder se reabastecer. Não foi bem o que aconteceu.
Em setembro, o general Kutuzov achou que chegara o momento de parar e lutar. Estacionou seus então 155 mil homens e 640 canhões na aldeia de Borodino, a menos de 150 km de Moscou. No dia 7 de setembro, às 6 horas da manhã, Napoleão deu início ao ataque com seus 135 mil homens e 587 canhões. O sangue jorrou até depois do pôr-do-sol. "Foram cerca de 16 horas de confronto ininterrupto, transformando Borodino na maior batalha de um dia das Guerras Napoleônicas", comenta Gilbert Rubin. "Apesar de a vitória ter sido francesa, a armada de Napoleão amargou 58 mil mortos, incluindo 48 marechais. Os russos perderam quase metade de seu exército: 66 mil baixas, entre elas a do general Bagration." A demora na chegada do reforço e o massacre do dia anterior fizeram Kutuzov optar pela retirada. "Enquanto Napoleão esperava a rendição do czar, o inimigo aumentava seus exércitos rapidamente", acrescenta o professor Borshevski.
LONGA MARCHA DE VOLTA
Napoleão teve então de reavaliar as opções. Seu exército estava enfraquecido. As linhas de abastecimento foram cortadas. A rendição inimiga não dava mostras de acontecer. Após cinco semanas acampando sobre as cinzas da cidade, decidiu dar meia volta e iniciar o retorno à França em 19 de outubro. Junto aos soldados, seguiram uma lenta procissão de carroças carregadas de peles, prata, porcelana e seda - fruto de saques. Em 24 de outubro, 20 mil homens do marechal francês Delzons procuravam suprimentos em Maloyaroslavets, a 121 km de Moscou. Ao dar com os primeiros franceses, o general russo Kutuzov cometeu um erro. Acreditando se tratar de uma facção desgarrada, enviou apenas 12 mil homens para detê-la. A Batalha de Maloyaroslavets, apesar da vitória tática de Napoleão, favoreceu os russos.
O imperador francês foi empurrado de volta ao caminho devastado usado na ida. No dia 4 de novembro, uma neve pesada começou a cair sobre os franceses desnutridos. No dia 9, a temperatura caiu para cerca de -26° C e continuava baixando. O frio penetrava nas roupas esfarrapadas dos soldados e se somava à exaustão. Muitos mal conseguiam andar, quanto mais resistir aos constantes ataques dos cossacos liderados pelo chefe Matvey Ivanovich Platov. "Quando essa multidão maltrapilha finalmente alcançou os suprimentos guardados em Smolensk, toda a disciplina militar foi para o espaço", conta Elena Remenik. "Uma turba de soldados famélicos saqueou os armazéns e destruiu boa parte dos alimentos, que poderiam ter durado o inverno inteiro", descreve. Por volta do dia 16 de novembro, sob o frio de -32° C, a marcha tentava ir para casa.
O passo seguinte era atravessar o rio Berezina (na atual Bielorússia). No dia 26 de novembro, os remanescentes da grande armée caíram numa armadilha. Pela frente os russos seguravam a ponte. Por trás pressionava o exército de Kutuzov. Em segredo, Napoleão enviou seu corpo de engenharia para construir uma ponte improvisada sobre o semicongelado Berezina. Quando os russos perceberam, abriram fogo. Cerca de 10 mil russos pereceram, contra 36 mil franceses, muitos dos quais só foram encontrados com o degelo da primavera. No dia 14 de dezembro de 1812, sob um frio de -38° C, apenas 10 mil homens conseguiram cruzar o rio Nemen de volta. A contagem das baixas do fracasso napoleônico: 550 mil homens mortos. No lado russo, 250 mil soldados efetivos e 50 mil entre milícias cossacas e populares. A campanha da Rússia mostrou que Napoleão não era invencível. Muitos países se rebelaram. Era o fim do sonho napoleônico de um domínio da Europa.

Legado literário

Quando se fala em campanha da Rússia, há duas referências obrigatórias. A primeira vem das mãos de Carl von Clausewitz, um general prussiano e teórico da guerra que assessorou as forças do czar Alexandre I durante o período da invasão de Napoleão à Rússia e, mais tarde, participou da fatídica Batalha de Waterloo. Presente ao incêndio de Moscou, ele registrou sua experiência e suas análises no livro A Campanha da Rússia de 1812 (ed. Martins Fontes), em, que apóia a tese de que o fogo não havia sido premeditado. É dele também o conceito de guerra total, em que se utilizam todos os recursos disponíveis para aniquiliar a capacidade de combate do inimigo. Acusado por muitos de dar base e aval ao alto grau de devastação visto durante as duas Guerras Mundiais, Clausewitz tentou evitar a simplificação de suas idéias, que constatavam apenas que a guerra e a destruição eram partes inevitáveis do conflito armado. Era um contraponto às idéias do chinês Sun Tzu em seu A Arte da Guerra (ed. Record). Brilhante estrategista, é reconhecido por seu livro Da Guerra (ed. Martins Fontes). Um dos mais importantes tratados sobre o tema, tem as habilidades de Napoleão como destaque. Leitura obrigatória em qualquer academia militar, ele analisa aspectos táticos e políticos da guerra. Outro olhar indispensável, mas romanceado, é a saga Guerra e Paz (ed. Ediouro), do russo Leon Tolstoi. Nele, se descreve a Rússia durante as guerras napoleônicas e conta-se a história de cinco famílias da aristocracia local. Pacifista, anarquista e com um talento colossal, Tolstoi esmiúça detalhes da Batalha de Borodino e oferece um olhar russo sobre a grande batalha. Sobre o incêndio de Moscou, coloca na boca de um personagem a certeza de que inferno se combate com inferno.

Descansem em paz

Em 2001, uma escavação de rotina em Vilnius, capital da Lituânia, tinha por objetivo preparar as fundações para a construção de um complexo habitacional. Assombrados, os trabalhadores se depararam com um tesouro histórico: os ossos de 2 mil jovens, no que parecia ser uma cova comum. A princípio, parecia tratar-se de mais uma prova das atrocidades cometidas pela polícia secreta soviética (desde o NKVD, da era Stálin, até a KGB, que reinou entre as décadas de 50 e 90). Essa tese era reforçada pelo fato de a área ter sido utilizada como base do Exército Vermelho anteriormente. A verdade, porém, logo apareceu. Arqueólogos se emocionaram ao descobrir os restos mortais de soldados franceses mortos durante a campanha da Rússia em 1812. Era a primeira vez que aparecia uma sepultura coletiva de soldados da grande armée napoleônica. O local (na época parte do império russo), fez parte da trajetória da terrível marcha de volta à França feita pela armada de Napoleão. A identificação foi possível graças a moedas com a éfigie de Bonaparte, pedaços de botões, cintos de uniformes e botas encontrados junto aos esqueletos. Os corpos congelados dos rapazes ressaltavam sua juventude. Alguns tinham apenas 15 anos e provavelmente eram responsáveis pelo rufar dos tambores franceses. Outros tinham entre 18 e 21 anos, a maioria composta de jovens altos, ao contrário da conhecida baixa estatura do líder Bonaparte. Com o passar dos exames arqueológicos, uma surpresa: esqueletos femininos se juntavam aos soldados na sepultura coletiva. Para os pesquisadores, eram prostitutas, lavadeiras e serviçais dos oficiais franceses. Não havia sinais de ferimentos graves feitos por balas, espadas e canhões. As causas da morte eram congelamento, fome e doenças. Seu carrasco fora o mesmo que expulsara os franceses das estepes: o impiedoso inverno russo, que batera quase nos -40° C durante a caminhada de volta ao solo francês.

O incêndio de Moscou e a reação de Napoleão


 
História - Mundo
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O incêndio de Moscou e a reação de Napoleão
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O incêndio de Moscou 
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Quando as chamas atingiram os muros do Kremlin, onde Napoleão recém se instalara, ele ficou aterrado. Tomou aquilo como um mau agouro. Um sinal de dias futuros ainda piores. Impressionou-se com o fato dos russo voluntariamente abrasarem as suas coisas, entregando o seu acervo e a sua história à destruição completa e total. Aquela determinação deles em travar uma guerra sem quartel e sem acordo, bem ao contrário dos habitantes de Viena, de Berlim, de Munique, de Milão, e de tantas outras cidades que ele submetera antes, abalou sua autoconfiança e o seu sangue frio. Leitor voraz da História, Napoleão logo ligou o episódio as guerras dos citas, os terríveis cavaleiros do sul da Rússia que haviam batido o imperador Dario, da Pérsia, em 515 a.C., quando ele pretendera controlar a embocadura do rio Danúbio, e cujas vivas façanhas guerreiras Homero registrara.Enquanto isso as labaredas devoravam tudo, alimentado-se da madeira com que a maior parte das moradias moscovitas eram construídas. Cumpria-se assim a promessa de Glinka, um personagem de Tolstoi (in Guerra e Paz, Parte IX, cap. XXII) que disse num reunião patriótica que "o inferno deveria ser combatido pelo inferno". Sobraram, pelo menos em pé, muitas das grandes igrejas, alguns mosteiros, e um e outro prédio público mais imponente, desde que erguidos com tijolos e pedras.
A destruição total da cidade

Napoleão e a sua guarda verificando os estragos (setembro de 1812)
O próprio Kremlin, de onde Napoleão foi retirado as pressas por uma passagem secreta até o rio Moskwa, sendo alojado num palácio fora da cidade, ficou ameaçado. Uma equipe da fiel guarda, conduzida pelo marechal Davout, é quem conseguiu evitar que a antiga fortaleza também fosse engolida pelo fogo que crepitava ao redor da praça Vermelha. Naquela situação, as montarias da guarda imperial viram-se privilegiadas porque, para protegê-las, alojaram-nas nas naves dos prédios religiosos e das catedrais, viradas em cavalariças. Onde antes os sacerdotes distribuíam suas bênçãos e hóstias agora viam-se forragens para os animais, enquanto que as clarinadas ecoavam por onde outrora ouviam-se os sons dos órgãos e dos sinos das igrejas.Quando o braseiro amainou, amansado por uma providencial tormenta, testemunhou o Conde de Ségur (A derrota de Napoleão na Rússia, Paris, 1825) que milhares de soldados bivaqueavam pelas ruas e praças misturados ao que restara da população civil de Moscou, a gente paupérrima que não teve condições de evadir-se a tempo da cidade e que naquele momento de agonia se irmanava aos invasores na luta para sobreviverem aquele inferno. Uniformes e rostos enegrecidos, cabelos e dragonas chamuscadas, com sede e famintos, a soldadesca andava às tontas em meio daquele colossal entulho ainda em brasas.
A pilhagem e a vingança



Na hora da pilhagem, até remanescentes de tropas russas que deambulavam por lá perdidos dos seus regimentos, juntaram-se aos soldados de Napoleão para esvaziar os palácios e as mansões do que restara de aproveitável. Quanto à real responsabilidade pelo incêndio é interessante recorrer ao testemunho de von Clausewitz, o oficial prussiano conhecido teórico da guerra, que estava presente, atuando na assessoria do exército russo, quando Moscou ardeu: “A confusão que vi nas ruas enquanto a retaguarda [russa] se retirava; o fato de que a fumaça vista pela primeira vez elevando-se das extremidades dos subúrbios onde os cossacos agiam convenceram-me de que o incêndio de Moscou foi resultado da desordem e do hábito dos cossacos de primeiro saquear e depois por fogo em toda as casas antes que o inimigo pudesse utilizá-las [...] Foi um dos acontecimentos mais estranhos da história, que um evento que tanto influenciou o destino da Rússia pudesse ser como um bastardo nascido de um caso de amor ilícito, sem ter um pai que o reconhecesse.” (“A Campanha da Rússia de 1812”, cit. John Keegan _ Uma História da Guerra, SP. 2002, pag.23). 
Rendição dos russos? Nem pensar. Acampados ao longe, em meio aos bosques que cercavam Moscou, vendo a enorme e compacta fumaça subindo aos céus em golfadas, com peito contraído pela dor em ter que assistir impotentes a outrora bela cidade virar fumaça, as tropas do general Kutuzov só pensavam numa coisa: vingança! Vingança! O imperador, perplexo com a guerra que os russos propunham, ainda tardou quase um mês em dar a ordem de recuar. Quando o fez, em 19 de outubro de 1812, já era tarde para salvar seus homens, milhares deles, do Manto de Nesso que caiu sobre eles, envenenado pela neve e pelo gelo que os cobriu durante a catastrófica retirada de volta para o Ocidente.
Recomendamos a leitura de:

O incêndio de Moscou, 1812

 
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O incêndio de Moscou, 1812
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Durante cinco dias seguidos a cidade de Moscou, a antiga capital do Império Russo-Ortodoxo, ardeu violentamente. Ocupada pelo Grand Armée de Napoleão Bonaparte em 14 de setembro de 1812, a cidadela dos czares negou-se se render aos invasores. Quando as chamas finalmente cederam, no dia 20 de setembro, tudo era um imenso entulho de madeira queimada e pedra calcinada. Tratou-se de uma tragédia tão grande como a do terremoto de Lisboa de 1755. Milhares de soldados franceses que a ocuparam, uns cem mil deles, tiveram que acampar nas ruas e nas praças ao desabrigo do tempo. Aquilo foi, porém, apenas um dramático aviso do que os invasores iriam sofrer nos meses seguintes quando foram forçados a bater retirada, em pleno inverno, pela vastidão das terras russas.
A Moscou da fé e dos czares

As labaredas alcançam o Kremlin (tela de Vereschangin)
Desde 1450, Moscou fora o epicentro do expansionismo russo, que conquistara deste então imensas regiões à Oeste, à Leste e ao Sul da Rússia atual, agregando-as ao império dos czares. Coube a Pedro o Grande, a partir da fundação de São Petersburgo, situada na embocadura do rio Neva, nas proximidades do mar Báltico, inaugurada em 1703, transferir o trono de Moscou para lá. Porém, tal translado nunca satisfez a população nativa que via na nova capital o predomínio da influência de idéias e de culturas estranhas à verdadeira Rússia.Moscou não. Sede do Patriarcado da Igreja Russo-Ortodoxo e do Santo Sínodo, com suas incontáveis igrejas e catedrais de cúpulas douradas, povoadas com relíquias sagradas e com ícones de tradição bizantina, centro de peregrinação que se orgulhava em ser a “Quarta Roma” (a herdeira de Jerusalém, Roma e Constantinopla), cidade santa da cristandade oriental, ela era a verdadeira e única metrópole que continuava morando no coração e no sentimento do povo russo. Afinal, lá estava também o Kremlin, a impressionante fortaleza-imperial que dominava a praça Vermelha, no plano central de Moscou, e inquestionável símbolo do domínio autocrático dos czares. Edifício que inspirava temor e respeito em milhares de súditos do grande império euro-asiático.
Por isso mesmo, pelo fantástico imaginário que ela exercia sobre as populações russas como a mais autêntica representação de fé e de poder que conheciam, é que Napoleão, quando invadiu a Rússia em 23 de junho de 1812, dirigiu o grosso das suas divisões diretamente para lá. “Moscou”, disse ele fascinado, “la capitale asiatique de ce grand empire; la ville sacrée des peuples d´Alexandre; Moscou, avec ses innombrables églises en forme de pagodes chinoises” (Moscou, a capital asiática deste grande império: a cidade sagrada do povo de Alexandre; Moscou com suas inúmeras igrejas em forma de pagode chinês)
A espera da rendição de Moscou

Napoleão a espera da rendição que não venho
A campanha da Rússia até ali fora formidável. Napoleão conseguira o feito de mobilizar mais de 600 mil homens vindos de toda Europa para acompanhá-lo na aventura. Apesar da resistência aumentar conforme os franceses adentravam no território, ninguém no exército do czar era páreo para enfrentar os 220 mil soldados que Napoleão selecionara para serem o eixo da ofensiva sobre o coração da Rússia, nem o general Bagration nem o então comandante-supremo Barclay de Tolly. A espetacular batalha nas proximidades de Moscou, que os russos chamaram de batalha de Borodino, uma das maiores da suas história, travada em 7 de setembro de 1812, - na qual, em dez horas de canhoneios e metralhas, os franceses perderam 20 generais e 33 mil homens entre mortos e feridos - não conseguira deter o invasor nem fazê-lo bater em retirada. Então foi a vez do recém nomeado generalíssimo Kutuzov, um oficial veterano que enfrentara Napoleão em diversas ocasiões, recuando de Borodino, convencer o Conselho de Guerra, reunido numa izbá na colina de Poklonaia, a abandonar a cidade e salvar o exército. Que sacrificassem Moscou ao invasor por que - garantiu ele depois ao czar - “Graças a Deus, será a sua última vitória”.Napoleão, uma semana depois, acampou no mesmo lugar tendo à vista as cúpulas douradas das inúmeras igrejas da imensa cidade que brilhavam como se fossem pequenos sóis no horizonte. Esperou ali , como disse aos seus generais, a chegada da “delegação dos boiardos”, os representantes da nobreza russa que deveriam vir entregar-lhe as chaves dos portões num ato de rendição. Espera inútil. A vanguarda francesa que penetrara na cidade, a exceção de alguns bandos de criminosos e salteadores que zanzavam bêbados pelas alamedas desertas de gente , não encontrara ninguém “respeitável” autorizado a pedir paz. No dia 15 de setembro, um esquadrão da cavalaria da Guarda Imperial escoltou Napoleão rumo ao Kremlin em meio a ruas fantasmas.
A evacuação da população fora um acontecimento espantoso. Sabendo do resultado da batalha de Borodino, alguns até bem antes, os moscovitas saíram da cidade em massa tal um bando de aves migratórias. Não houve nenhuma preparação. Tal como o povo da cidade de Smolensk fizera um mês antes, só queriam deixar as cinzas e o entulho para o invasor. Mesmo antes do confuso e atabalhoado Conde Rostoptchine, governador militar da região de Moscou, ordenar a evacuação , centenas de habitantes já haviam se encaminhado para a estrada com o que podiam. Os ricos com suas carruagens e caleches, os burgueses à cavalo, e os remediados com seus bois e suas mulas, ou a pé mesmo, deixaram tudo o mais para trás. Em menos de 24 horas a metrópole virara um acampamento fantasma. Ficaram ainda escondidos, os bem pobres, os miseráveis, e os sapadores de Rostoptchine encarregados de por fogo em tudo o que desse e pudessem. O espanto dos franceses foi total, como se verifica pelo testemunho do sargento Bourgogne:
Nós ficamos surpresos quando não vimos ninguém nos arredores...Nós não conseguimos identificar qual o motivo de tão completo silêncio: como uma cidade tão bela e tão perfeita podia estar sombria e deserta! Nós escutávamos apenas os nossos passos.. Naturalmente que nós não falávamos muito.. Primeiro tentamos nos convencer de que os cidadãos estavam dentro das suas casas nos vigiando...não podíamos imaginar que residências tão bonitas e ricas podiam ter sido abandonadas por seus moradores...Aproximadamente uma hora depois de nós termos entrado na cidade o fogo começou... pensamos que alguns dos saqueadores teriam provocado o fogo sem intenção... Nós não pensávamos que os russos pudessem ser tão bárbaros a ponto de porem fogo nas suas propriedades e que pudessem destruir uma das mais belas cidades do mundo