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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Napoleão: Máximas e Pensamentos, de Honoré de Balzac



DOMINGO, 15 DE ABRIL DE 2012

Napoleão: Máximas e Pensamentos, de Honoré de Balzac



O Moderno Prometeu

A primeira edição de “Napoleão: Máximas e Pensamentos” não apontava Honoré de Balzaccomo autor do prefácio e organizador, pois o célebre autor de “Le Lys dans la vallée”, precisando saldar alguns compromissos com seus credores, vendeu o livro a um certo J. L. Gaudy Jeune pela importância de 4 mil francos.

É, de fato, bastante curioso pensar em um dos maiores escritores de todos os tempos como uma espécie de ghost writer do século XIX. O equivalente moderno do “melhoro sua monografia” ou algo do gênero. A história, porém, aconteceu realmente. Balzac trabalhou árdua e incessantemente durante toda a vida para dar à luz sua vastíssima obra, era, para utilizar um termo em voga, um workaholic inveterado, movido a grandes doses de café forte, mas sempre passou por dificuldades financeiras. Quando ele nasceu, em 1799, Napoleão acabava de regressar do Egito para, após o 18 de Brumário, se tornar Cônsul da República Francesa ao lado de Ducos e Sieyès. O autor de “Ilusões Perdidas”, portanto, cresceu sob a influência doFazedor de Reis. Como se sabe, nem mesmo a derrota sofrida em 1815 e o consequente exílio em Santa Helena, onde o Imperador morreu em 1821, tiveram o condão de enfraquecer o mito napoleônico. Muito pelo contrário, pois foi justamente durante a Restauração que a já legendária figura do Artilheiro de Toulon ascendeu ao quase sagrado.

A edição brasileira
Nesse período, as pessoas cultuavam o Imperador cada vez mais de maneira menos latente. Entrementes, Balzac, íntimo das palavras, percebeu de imediato o potencial literário das frases de Napoleão e passou a anotá-las e a classificá-las. Em carta datada de 10 de outubro de 1838, dirigida à aristocrata russa Madame Hanska, que viria a se tornar sua esposa no fim da vida, Balzac esclarece o processo:

[...] Há cerca de sete anos, sempre que lia um livro em que se tratava de Napoleão, ou sempre que encontrava um pensamento intenso, novo, enunciado por ele, anotava-o imediatamente em um ‘caderno de cozinha’ que estava constantemente sobre a minha mesa de trabalho.

Na mesma missiva, ele conta que precisou vender “o mais belo livro da época” ao comerciante de gorros, mencionado acima, que esperava dedicá-lo ao Rei Luis Felipe e receber a medalha da Legião de Honra, a distinção que l’Empereur concedeu à sua Guarda em 1802 [1]. Em que pese o tom leve e irônico dessa carta, estimo ter sido duríssima, para Balzac, a separação de sua acalentada obra. Afinal, nenhum outro senão o próprio Balzac mantinha um busto de Le Petit Caporal sobre a sua mesa de trabalho, junto ao qual fixou a mensagem: “o que ele começou com a espada eu concluirei com a pena.” Além disso, como escreveu à sua futura esposa, o autor tinha plena consciência de que se tratava de “uma das coisas mais lindas desses tempos: o pensamento, a alma daquele grande homem, recolhidos após inumeráveis investigações”. Antes do fim ele diz: “Que a sombra de Napoleão me perdoe”.
Honoré de Balzac
Não obstante, Napoleão não teria do que se queixar em relação a Balzac pelo conjunto de sua obra. Nos 95 livros que compõe a “Comédia Humana, um total de 546 páginas são dedicadas aoVencedor de Friedland e de Marengo. Voltaire Schiling [2], em seu excelente artigo “Balzac e o Imperador” descreve detalhadamente as aparições de Napoleão na obra balzaquiana:

[...] O acampamento do imperador nas vésperas da batalha de Iena (1806) foi descrito por ele no Une ténébreuse affaire (Um caso tenebroso); a batalha de Eylau, travada em 1807, é narrada no conto sobre o pobre coronel Chabert (Le colonel Chabert), ocasião em que o personagem da novela é gravemente ferido na cabeça, enquanto que a terrível e heróica passagem sobre o rio Beresina, quando o imperador retirava-se da Rússia em outubro de 1812, apareceu no Adieu (Adeus).

O momento narrativo mais grandioso da presença de Napoleão na obra de Balzac dá-se no capítulo inicial da La Femme de Trente Ans, (A mulher de trinta anos) ocasião em que o imperador, em Paris, passa em revista o Grande Armée, perfilado e alinhado, antes de ser lançado nas batalhas finais travadas na Campanha da Alemanha de 1813. O vivo relato que o escritor faz das tropas enfileiradas no Campo de Marte, as fanfarras e o rufar dos tambores de guerra que anunciam ao povo e aos regimentos embandeirados à chegada eminente do grande homem, o silêncio respeitoso e a respiração em suspenso com que ele é recebido pela multidão, tudo isso, além de ser uma estupenda viagem no tempo, eletriza o leitor. Chega-se quase a ouvir-se o galope do belo cavalo branco do imperador, vestido com o seu capote cinza sem ornamentos e com o chapéu bicórneo à cabeça, passando à frente das águias da Guarda Imperial e dos símbolos gloriosos das divisões militares que se curvam frente a ele.

Tampouco, Napoleão teria do que se queixar em relação ao livro ora comentado. Em primeiro lugar, a História fez justiça em relação a Balzac, lhe restituindo a obra que este foi obrigado a vender, de modo que hoje em dia, no mundo inteiro, o livro de Máximas e Pensamentos de Napoleão é comercializado em edições que apontam Balzac como seu organizador. Ademais, pela classificação dos aforismos, divididos pelas distintas fases da Vida de Napoleão, Balzac sugere a melhor maneira de estudar-lhe a personalidade. Ao arguto olhar do autor não escapou que “o terrorista de 93 e o generalíssimo ficaram absorvidos pelo imperador, o governante desmentiu com frequência o governado, mas as palavras contraditórias que as frequentes crises lhe arrancaram, sim, revelam admiravelmente a enorme luta a que esteve condenado.” [3].
Napoleão, durante a Batalha de Friedland, dá ordens ao General Oudinot, por Horace Vernet
Balzac sabia ser impossível abarcar toda a personalidade de Napoleão em um único golpe de vista. O Imperador atuou com destaque em muitos seguimentos da vida do século XIX, alcançando notável distinção na maioria deles: general, político, administrador, legislador e reformador. Seu império se estendeu da Holada à Westfália, de Madrid ao Norte da Itália, por seu gênio e por sua espada, o antigo regime, as velhas ancestralidades feudais foram fortemente sacudidos em suas bases, tanto que Jean Tulard [4] assevera que, anos mais tarde, Carl Marx conferiu à Napoleão o título de grande destruidor do regime feudal alemão.

Uma edição francesa
Portanto, Balzac houve por bem classificar os mais de 500 aforismos que recolheu em capítulos: “O republicano e o cidadão”; “Arte militar”; “O soberano e o organizador”; “Experiência e infortúnio”. Em verdade, o autor de “Mulher de trinta anos” utilizou-se do mesmo princípio adotado por Amandou Guillöm de Montlèon quando este compilou as observações de leitura, à margem de “O Príncipe” de Maquiavel, feitas por Napoleão em diversos momentos de sua vida e publicadas pela primeira vez em Paris em 1816. Guillöm de Montlèon já naquela época sentiu a necessidade de indicar se o comentário pertencia ao general, ao cônsul, ao imperador, ou ao exilado [5].

Nada obstante, essas máximas estão repletas de um fatalismo genuíno. O leitor se vê incapaz de desprezar, por exemplo, a genuína aptidão de moldar o próprio destino que Napoleão provou possuir. A forma com que o Imperador constrói cada um desses pensamentos também leva a marca do gênio. Nesse ponto, não seria nenhum absurdo dizer que Balzac prestava uma homenagem a um par, por certo que Napoleão era dono de um estilo literário único como descreve Gustave Lanson, citado por Euclides Mendonça em seu livro “A Força do Estilo de Napoleão”:

Ele [Napoleão] desenvolveu uma forma curta, brusca, tensa, nervosa admiravelmente expressiva, e seja por seu realismo, seja pela imagem que ele procurava passar de si mesmo, admiravelmente adaptado à alma elementar das multidões e das tropas. [6].

M. Émile Henriot, crítico literário do “Le Monde” de Paris, também citado no já referido livro de Euclides Mendonça, é categórico ao afirmar que Napoleão possuía “O dom do estilo, o talento de se expressar com vigor, com precisão, com elegância e colorido, na tonalidade e no ritmo inconfundíveis que lhe são peculiares. Tais atributos são próprios de um escritor nato.”[7].
O busto de Balzac de Auguste Rodin
Somados todos esses múltiplos ingredientes temos a fórmula que explica os motivos pelos quais a leitura dos aforismos de Napoleão ainda é atraente nos dias de hoje, bem como aqueloutros que confirmam a genialidade do escritor que os catalogou dois séculos atrás, já antevendo que seria “o mais belo livro” daquela e de outras épocas. Os sutis epigramas do Imperador despertam a imaginação do leitor que, por um momento, se julga capaz de empreender feitos equivalentes àqueles que um dia foram levados a efeito por ele. As breves sentenças proferidas pelo Vencedor de Marengo estão impregnadas de sua própria tragédia. A última delas, em especial, para citarmos um bom exemplo, dita pelo imperador deposto e exilado em Santa Helena, merece ser lida e relida, diversas vezes, e, quem sabe, recitada como um mantra em homenagem à frágil transitoriedade das coisas terrenas:

Novo Prometeu, vejo-me atado a uma rocha, onde um corvo [8] me rói as entranhas. Eu me havia apoderado do fogo celeste para dotar a França, e o fogo voltou à sua origem. Eis-me aqui. [9]..

____________________________

[1] ^  A Ordre National de la Légion d'Honneura condecoração honorífica que ainda hoje é a ordem máxima concedida pelo Governo francês, foi instituída pelo próprio Napoleão em 1802.

[2] ^   SCHILING, Voltaire. Balzac e o imperador. Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2006/03/07/000.htm>. Acesso em: 05 jan. 2011, às 03h00min.

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